Na impossibilidade
da certeza sobre o futuro, o mais adequado é que a escola saiba ler,
compreender e comportar o presente. As
crianças, que dão vida às escolas, possuem comportamentos, preferências,
desejos, modos de ver o mundo que são, ao mesmo tempo, plurais e atravessados
por contextos comuns de desenvolvimento. Em um desses
contextos, o “mundo virtual,” elas compartilham códigos, modos de interagir e
aprender que são negligenciados pela Escola. Entretanto, existem exemplos em
que esses mundos – escolar e digital – são bem articulados.
A Quest To Learn (Q2L) é uma
escola pública da cidade de Nova York baseada em games, ou seja, que utiliza
técnicas de game design para promover o engajamento dos seus alunos com o
aprendizado escolar. A Q2L foi criada a partir de uma parceria entre o Departamento
de Educação de NY com a ONG Institute ofPlay e também a organização NewVisions for Public School. Os designers dessas instituições, responsáveis
por gamificar o currículo escolar, acreditam que o modelo da escola tradicional
é uma possibilidade de ser entre muitas possíveis e que ela é apenas um dos ambientes de aprendizagem – para
os alunos – possível dentre tantos outros. O trabalho de concepção da Q2L
incluiu uma atenção especial ao comportamento das crianças fora do ambiente
escolar. Que atividades são valorizadas? Como elas se comunicam? O que e como
aprendem? No cruzamento da experiência de trabalho deles e dos interesses dos
alunos estão os videogames. Os jogos estão bastante presentes no cotidiano dos
jovens e não são trazidos à Q2L só para deixar as aulas divertidas – o que já é
muito importante – como também para legitima-los como uma ferramenta de grande potencial
pedagógico.
Então, como
é isso da escola ser baseada em game? Bem, as aulas são compostas por uma série
de quests – desafios com um objetivo
definido – que ajudam a completar missões, como criar uma escola sustentável no
Minecraft ou ajudar um doutor a receitar um remédio a seu paciente,
por exemplo. Quanto ao currículo, não existem as disciplinas da forma como estamos
habituados a conhecer. Lá, os conteúdos são organizados em cinco domínios: “a maneira
como as coisas funcionam”, uma mistura de matemática e ciências; “bem-estar”, estuda
o corpo e a saúde; “esportes para a mente”, trabalha a criação de jogos e arte
multimídia; “ser, espaço e lugar”, envolve estudos sociais e inglês e “mundo
dos códigos”, uma integração entre inglês e matemática.
Saiba mais: Entrevista com Brian Waniewski, diretor de gestão do Insitute of Play.
A equipe do
Institute of Play utilizou a abordagem do Design Thinking para a concepção da
Q2L. Essa foi a maneira, no alcance que lhes cabe, de incluir o aluno como o
foco do processo de criação de novos cenários de aprendizagem. Através de
observações e entrevistas – sob a ótica da empatia –, em um período de imersão
no tema da educação, os designers projetaram uma escola que leva em conta o contexto
de desenvolvimento de seus alunos dentro e fora dela. Entretanto, é justamente
nesse movimento de pensar o usuário (os alunos e professores) de seus artefatos
(nesse caso, a escola) que uma contribuição da psicologia poderia ser muito bem
aproveitada.
Tomando emprestada
a análise de Marc Prensky (2010), um contexto marcante de desenvolvimento das
crianças seria o mundo virtual. Sobre a geração nativa digital, Prensky fala sobre o momento “afterschool” em que as crianças se
engajam voluntariamente com aprendizado de acordo com seus interesses – ninguém
as diz o que têm de fazer, como acontece nas escolas. Fora delas, os estudantes
estão na internet, nos videogames e em redes sociais ensinando uns aos outros coisas
relevantes para o seus mundos atuais. Basicamente, de algum modo, eles esperam
que a escola tenha um funcionamento similar aos seus outros ambientes de
aprendizado, onde se relacionam com seus parceiros e compartilham entre si
valores, crenças e códigos. Prensky enumera alguns dos quereres das crianças em
relação à escola:
- não querem
ser ensinados;
- querem ser
respeitados, receber confiança e ter suas opiniões valorizadas;
- querem
seguir seus próprios interesses;
- querem
criar coisas usando as ferramentas atuais;
- querem
trabalhar em grupo com seus colegas;
- querem
tomar decisões;
- querem
cooperar e competir entre eles;
- não querem
uma educação apenas relevante, mas real.
Uma nova abordagem
educacional precisa ser coerente às condições históricas, culturais e
socioeconômicas do desenvolvimento humano, entender seus contextos de
processamento e atender à demanda dessa geração. Falar sobre contexto em
psicologia significa ressaltar as diferentes condições de vida em que seres humanos
nascem e se desenvolvem. Podemos pensar nas implicações para o desenvolvimento
de um indivíduo que nasce no Haiti, em classe média ou em determinado século. Mas
perceba que esses contextos exemplificados pertencem a dimensões diferentes: lugar,
condição econômica e tempo, respectivamente. Além disso, o pertencimento de um
sujeito a esses contextos não é exclusivo, nem fixo. Por isso, a compreensão
das relações entre contexto e desenvolvimento deve levar em conta todas essas
facetas.
A Quest to
Learn é um exemplo de reconhecimento do contexto virtual e absorve essas ideias
numa concepção própria de escola. Não deve ser entendida como um modelo a ser
clonado – como nenhum outro modelo deve – e sim valorizado em vários aspectos
inovadores. No livro “Volta ao mundo em 13 escolas” (2013), os autores do livro
reconhecem: “a Quest to Learn abriu as portas da escola para que entrasse na
sala de aula a realidade caleidoscópica que as crianças e jovens vivem na sua
rotina”.
Referências
Prensky, M. Teaching Digital Natives: Partnering for Real Learning. Corwin Press, 2010
Gravatá, A.; Piza, C.; Mayumi, C.; Shimahara, E. Volta ao mundo em 13 escolas. São Paulo: Fundação Telefônica, 2013