Certa vez, a filha do educador Rubem Alves,
aos oito anos de idade, perguntou: “Rubem, na história da Cinderela, quando
tocasse meia noite, era pra o encantamento acabar. Era pra o vestido de baile
virar vestido de cozinha, a carruagem virar abóbora... Então por que o
sapatinho de cristal não virou tamanco?”.
Como uma
criança que astutamente questiona o naturalizado, assim é o sentido da
existência da Escola Básica da Ponte. Localizada na cidade de Santo Tirso, na
região norte de Portugal, a Escola da Ponte é uma grande referência no
movimento crítico do modelo de educação tradicional. Sua proposta nasceu de
perguntas precisas e consequente implosão da organização quase inquestionável
das escolas. O ato curioso de perguntar, presente na coluna cervical da escola
portuguesa, mirou aspectos que até hoje ainda são mantidos com naturalidade em
muitos casos. A inquietude do José Pacheco, educador diretor e fundador, se
justifica na falta de resposta válida ao porquê de existirem aulas. Por que
duram 50 minutos? Por que há carga horária, grade curricular, turma, série,
idade de corte? Se a resposta para qualquer uma dessas se originar na
burocratização do sistema escolar, nas normas e metas governamentais, não
estaremos lidando com as questões verdadeiramente relevantes. A prática
pedagógica se fundamenta no conhecimento da pedagogia e não no trilho da
administração ministerial.
O fato é que,
por iniciativa própria – contrariamente às diretrizes do governo – a Escola
extinguiu todas essas concepções nos moldes como comumente as conhecemos: aula,
prova, série, currículo, sala de aula, professor... A desarticulação destas com
uma fundamentação teórica que as justifique nada fazia além de evidenciar o
divórcio entre ensino e aprendizagem. Sobre isso, o próprio Pacheco já dizia: “Não
são os alunos que tem dificuldade de aprendizagem, sou eu que tenho de
ensinagem”. Nesse movimento de reconciliar os dois verbos, que escola
tradicional separou, a Escola da Ponte problematizou algumas metáforas
clássicas usadas em referência ao conhecimento no contexto escolar, tais como: transmissão,
absorção e retenção. Essas palavras, tão inocentemente usadas no cotidiano,
supõem um aluno – sem luz – em postura passiva diante de conhecimento. Esse é o
ponto central da contribuição da Escola da ponte, onde se encontra seu caráter
inovador: seus estudantes são aprendizes em busca de autonomia. Sobre essa visão, dedicarei um texto aqui no
blog em breve.
Bem, como
então se organiza a Escola da Ponte? Os pilares estão fincados nos valores da
autonomia, solidariedade, responsabilidade e democraticidade. São eles que
guiam e justificam o modelo proposto na escola portuguesa.
Professores: Os orientadores
educativos, como são chamados os professores de lá, são em essência promotores
de educação. Ocorre o abandono da lógica da docência instrutiva que guiam os
alunos até conhecimentos codificados e predeterminados. Eles se organizam em
seis dimensões: linguística, lógico-matemática, naturalista, pessoal e social,
identitária e artística.
Aulas: Os alunos formam grupos
voluntariamente a partir de seus interesses pessoais. Esses grupos elaboram
projetos de pesquisa baseados em suas inquietações e recebem orientações dos “professores”.
Nesse trabalho coletivo, os conteúdos das diversas áreas de conhecimento
emergem como possibilidades de resposta e continuidade dos projetos.
Provas: As avaliações são
realizadas na medida em que os alunos individualmente solicitam serem
avaliados. Eles próprios julgam o momento em que sentem que já sabem
determinado assunto. Logo, não existem semanas de prova na escola.
Saiba mais: Entrevista concedida a Revista Nova Escola
Atualmente, José Pacheco tem visitado
escolas públicas em todo Brasil e contribuindo com alguns projetos que buscam “fazer
a ponte”. Nas palavras dele, a Escola da Ponte é um exemplo do que é possível,
mas não um modelo a ser seguido à risca. Aqui, em nosso país, temos
conhecimento teórico de muita relevância e pessoas interessadas em transformar
a realidade escolar. Em sua palestra no TEDxUnisinos – uma das raras vezes em
que não iniciou sua fala com a clássica pergunta “o que querem saber hoje?” – Pacheco
conta sobre essa experiência no Brasil e como surgiram as primeiras ideias que culminaram
na Escola da Ponte.
Texto inovador, assim como a proposta do blog! Bom conhecer a proposta "Escola da ponte" e ver que pode dar certo, se nós brasileiros começarmos a repensar nossa educação. Abraços
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