terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

As lições da Escola da Ponte

Certa vez, a filha do educador Rubem Alves, aos oito anos de idade, perguntou: “Rubem, na história da Cinderela, quando tocasse meia noite, era pra o encantamento acabar. Era pra o vestido de baile virar vestido de cozinha, a carruagem virar abóbora... Então por que o sapatinho de cristal não virou tamanco?”.

Como uma criança que astutamente questiona o naturalizado, assim é o sentido da existência da Escola Básica da Ponte. Localizada na cidade de Santo Tirso, na região norte de Portugal, a Escola da Ponte é uma grande referência no movimento crítico do modelo de educação tradicional. Sua proposta nasceu de perguntas precisas e consequente implosão da organização quase inquestionável das escolas. O ato curioso de perguntar, presente na coluna cervical da escola portuguesa, mirou aspectos que até hoje ainda são mantidos com naturalidade em muitos casos. A inquietude do José Pacheco, educador diretor e fundador, se justifica na falta de resposta válida ao porquê de existirem aulas. Por que duram 50 minutos? Por que há carga horária, grade curricular, turma, série, idade de corte? Se a resposta para qualquer uma dessas se originar na burocratização do sistema escolar, nas normas e metas governamentais, não estaremos lidando com as questões verdadeiramente relevantes. A prática pedagógica se fundamenta no conhecimento da pedagogia e não no trilho da administração ministerial.

O fato é que, por iniciativa própria – contrariamente às diretrizes do governo – a Escola extinguiu todas essas concepções nos moldes como comumente as conhecemos: aula, prova, série, currículo, sala de aula, professor... A desarticulação destas com uma fundamentação teórica que as justifique nada fazia além de evidenciar o divórcio entre ensino e aprendizagem. Sobre isso, o próprio Pacheco já dizia: “Não são os alunos que tem dificuldade de aprendizagem, sou eu que tenho de ensinagem”. Nesse movimento de reconciliar os dois verbos, que escola tradicional separou, a Escola da Ponte problematizou algumas metáforas clássicas usadas em referência ao conhecimento no contexto escolar, tais como: transmissão, absorção e retenção. Essas palavras, tão inocentemente usadas no cotidiano, supõem um aluno – sem luz – em postura passiva diante de conhecimento. Esse é o ponto central da contribuição da Escola da ponte, onde se encontra seu caráter inovador: seus estudantes são aprendizes em busca de autonomia.  Sobre essa visão, dedicarei um texto aqui no blog em breve.

Bem, como então se organiza a Escola da Ponte? Os pilares estão fincados nos valores da autonomia, solidariedade, responsabilidade e democraticidade. São eles que guiam e justificam o modelo proposto na escola portuguesa.

Professores: Os orientadores educativos, como são chamados os professores de lá, são em essência promotores de educação. Ocorre o abandono da lógica da docência instrutiva que guiam os alunos até conhecimentos codificados e predeterminados. Eles se organizam em seis dimensões: linguística, lógico-matemática, naturalista, pessoal e social, identitária e artística.

Aulas: Os alunos formam grupos voluntariamente a partir de seus interesses pessoais. Esses grupos elaboram projetos de pesquisa baseados em suas inquietações e recebem orientações dos “professores”. Nesse trabalho coletivo, os conteúdos das diversas áreas de conhecimento emergem como possibilidades de resposta e continuidade dos projetos.

Provas: As avaliações são realizadas na medida em que os alunos individualmente solicitam serem avaliados. Eles próprios julgam o momento em que sentem que já sabem determinado assunto. Logo, não existem semanas de prova na escola.


Atualmente, José Pacheco tem visitado escolas públicas em todo Brasil e contribuindo com alguns projetos que buscam “fazer a ponte”. Nas palavras dele, a Escola da Ponte é um exemplo do que é possível, mas não um modelo a ser seguido à risca. Aqui, em nosso país, temos conhecimento teórico de muita relevância e pessoas interessadas em transformar a realidade escolar. Em sua palestra no TEDxUnisinos – uma das raras vezes em que não iniciou sua fala com a clássica pergunta “o que querem saber hoje?” – Pacheco conta sobre essa experiência no Brasil e como surgiram as primeiras ideias que culminaram na Escola da Ponte. 


Um comentário:

  1. Texto inovador, assim como a proposta do blog! Bom conhecer a proposta "Escola da ponte" e ver que pode dar certo, se nós brasileiros começarmos a repensar nossa educação. Abraços

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