segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Start: Quest to Learn

“Para minha filha de um ano, uma revista é um Ipad que não funciona. Vai permanecer assim por toda sua vida. Steve Jobs programou uma parte do seu sistema operacional”. 

Na impossibilidade da certeza sobre o futuro, o mais adequado é que a escola saiba ler, compreender e comportar o presente.  As crianças, que dão vida às escolas, possuem comportamentos, preferências, desejos, modos de ver o mundo que são, ao mesmo tempo, plurais e atravessados por contextos comuns de desenvolvimento. Em um desses contextos, o “mundo virtual,” elas compartilham códigos, modos de interagir e aprender que são negligenciados pela Escola. Entretanto, existem exemplos em que esses mundos – escolar e digital – são bem articulados.

A Quest To Learn (Q2L) é uma escola pública da cidade de Nova York baseada em games, ou seja, que utiliza técnicas de game design para promover o engajamento dos seus alunos com o aprendizado escolar. A Q2L foi criada a partir de uma parceria entre o Departamento de Educação de NY com a ONG Institute ofPlay e também a organização NewVisions for Public School. Os designers dessas instituições, responsáveis por gamificar o currículo escolar, acreditam que o modelo da escola tradicional é uma possibilidade de ser entre muitas possíveis e que ela é apenas um dos ambientes de aprendizagem – para os alunos – possível dentre tantos outros. O trabalho de concepção da Q2L incluiu uma atenção especial ao comportamento das crianças fora do ambiente escolar. Que atividades são valorizadas? Como elas se comunicam? O que e como aprendem? No cruzamento da experiência de trabalho deles e dos interesses dos alunos estão os videogames. Os jogos estão bastante presentes no cotidiano dos jovens e não são trazidos à Q2L só para deixar as aulas divertidas – o que já é muito importante – como também para legitima-los como uma ferramenta de grande potencial pedagógico.

Então, como é isso da escola ser baseada em game? Bem, as aulas são compostas por uma série de quests – desafios com um objetivo definido – que ajudam a completar missões, como criar uma escola sustentável no Minecraft ou ajudar um doutor a receitar um remédio a seu paciente, por exemplo. Quanto ao currículo, não existem as disciplinas da forma como estamos habituados a conhecer. Lá, os conteúdos são organizados em cinco domínios: “a maneira como as coisas funcionam”, uma mistura de matemática e ciências; “bem-estar”, estuda o corpo e a saúde; “esportes para a mente”, trabalha a criação de jogos e arte multimídia; “ser, espaço e lugar”, envolve estudos sociais e inglês e “mundo dos códigos”, uma integração entre inglês e matemática.

Saiba mais: Entrevista com Brian Waniewski, diretor de gestão do Insitute of Play.

A equipe do Institute of Play utilizou a abordagem do Design Thinking para a concepção da Q2L. Essa foi a maneira, no alcance que lhes cabe, de incluir o aluno como o foco do processo de criação de novos cenários de aprendizagem. Através de observações e entrevistas – sob a ótica da empatia –, em um período de imersão no tema da educação, os designers projetaram uma escola que leva em conta o contexto de desenvolvimento de seus alunos dentro e fora dela. Entretanto, é justamente nesse movimento de pensar o usuário (os alunos e professores) de seus artefatos (nesse caso, a escola) que uma contribuição da psicologia poderia ser muito bem aproveitada.

Tomando emprestada a análise de Marc Prensky (2010), um contexto marcante de desenvolvimento das crianças seria o mundo virtual. Sobre a geração nativa digital, Prensky fala sobre o momento “afterschool” em que as crianças se engajam voluntariamente com aprendizado de acordo com seus interesses – ninguém as diz o que têm de fazer, como acontece nas escolas. Fora delas, os estudantes estão na internet, nos videogames e em redes sociais ensinando uns aos outros coisas relevantes para o seus mundos atuais. Basicamente, de algum modo, eles esperam que a escola tenha um funcionamento similar aos seus outros ambientes de aprendizado, onde se relacionam com seus parceiros e compartilham entre si valores, crenças e códigos. Prensky enumera alguns dos quereres das crianças em relação à escola:
- não querem ser ensinados;
- querem ser respeitados, receber confiança e ter suas opiniões valorizadas;
- querem seguir seus próprios interesses;
- querem criar coisas usando as ferramentas atuais;
- querem trabalhar em grupo com seus colegas;
- querem tomar decisões;
- querem cooperar e competir entre eles;
- não querem uma educação apenas relevante, mas real.

Uma nova abordagem educacional precisa ser coerente às condições históricas, culturais e socioeconômicas do desenvolvimento humano, entender seus contextos de processamento e atender à demanda dessa geração. Falar sobre contexto em psicologia significa ressaltar as diferentes condições de vida em que seres humanos nascem e se desenvolvem. Podemos pensar nas implicações para o desenvolvimento de um indivíduo que nasce no Haiti, em classe média ou em determinado século. Mas perceba que esses contextos exemplificados pertencem a dimensões diferentes: lugar, condição econômica e tempo, respectivamente. Além disso, o pertencimento de um sujeito a esses contextos não é exclusivo, nem fixo. Por isso, a compreensão das relações entre contexto e desenvolvimento deve levar em conta todas essas facetas. 

A Quest to Learn é um exemplo de reconhecimento do contexto virtual e absorve essas ideias numa concepção própria de escola. Não deve ser entendida como um modelo a ser clonado – como nenhum outro modelo deve – e sim valorizado em vários aspectos inovadores. No livro “Volta ao mundo em 13 escolas” (2013), os autores do livro reconhecem: “a Quest to Learn abriu as portas da escola para que entrasse na sala de aula a realidade caleidoscópica que as crianças e jovens vivem na sua rotina”. 



Referências

Prensky, M. Teaching Digital Natives: Partnering for Real Learning. Corwin Press, 2010

Gravatá, A.; Piza, C.; Mayumi, C.; Shimahara, E. Volta ao mundo em 13 escolas. São Paulo: Fundação Telefônica, 2013



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